Nosso Legado

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Depoimento

Depoimento da Srª Sebastiana Magdalena Finamore Simoni (Dona Tita):

Quando soube que uma parte da nossa chácara, na Ilha Nossa Senhora da Conceição, em Vila Velha, ia ser colocada à disposição da Associação de Fibrose Cística do Espírito Santo/AFICES, fiquei emocionada e feliz. E agora, no momento em que se conclui a fase dos entendimentos e que a AFICES se apresta a transferir para lá a sua sede e o seu centro de atendimento aos portadores de Fibrose Cística, minha alegria e minha emoção tornam-se ainda maiores. O meu pensamento corre ao meu falecido marido, o Professor Amaro Salvatore Simoni, o qual amava aquele pedaço de terra e de mangue como se fosse uma criatura sua e zelava por ela como um pai zela pelo seu filho.

De fato, Amaro desbravou aquele local e o transformou numa espécie de santuário, onde punha em prática seus vastos conhecimentos no campo da biologia e da medicina e, embora não dispusesse de grandes recursos materiais, ou da ajuda de qualquer órgão público, realizava importantes pesquisas e experimentos sobre a fauna e a flora marinhas. Amaro, que era um convicto ecologista quando ainda nem se falava em ecologia, e chegou a criar o Instituto de Hidrobiologia do Espírito Santo, tinha a convicção que os peixes e os crustáceos poderiam muito bem fornecer a solução viável e ideal para o problema da fome das populações pobres. Daí o seu zelo em preservar a vida do mangue, berçário primordial para a vida marinha; daí os seus experimentos para descobrir as condições ideais para a manutenção do mangue e a reprodução de peixes e crustáceos. 

Amaro era pessoa muito generosa e fazia questão de compartilhar o seu saber e as suas descobertas com o maior número possível de pessoas. Professor e dirigente que fora, durante longos anos, a serviço do SENAI, abria com gosto o portão da chácara da Ilha Nossa Senhora da Conceição aos estudantes de biologia da UFES, para que lá pudessem aperfeiçoar os seus estudos, a partir da observação de um verdadeiro laboratório científico natural. Pessoas do povo, pobres e humildes, também se achegavam a ele e com ele aprendiam os segredos da vida que viceja no mar e como tirar do mar, sem depredá-lo, o sustento de suas vidas e de seus familiares. Quando um acidente ecológico, em fevereiro de 1974, destruiu os seus viveiros marinhos e levou embora o trabalho amoroso e dedicado de mais de vinte anos, Amaro viveu uma grande dor e uma profunda frustração. Mas isto não foi suficiente para apagar nele o desejo e a vontade de continuar fazendo da sua chácara um local do qual mais pessoas, além da sua família, pudessem desfrutar. Foi assim, por exemplo, que, ao saber que muitas pessoas de outros Estados viriam a Vitória para ver e acolher o Papa João Paulo II e não teriam onde se alojar, Amaro decidiu abrir as portas do seu “santuário” para os peregrinos do “João de Deus”. Amaro e eu fomos até a “Praça do Papa” e convidamos mais de cem romeiros a se hospedarem na chácara. Lá os acomodamos confortavelmente em alojamentos totalmente equipados (os mesmos alojamentos que agora irão acolher os portadores de Fibrose Cística e seus acompanhantes) e a eles servimos, pessoalmente, o café da manhã.

Penso também na alegria e na satisfação dos meus filhos, os quais, depois da morte do pai, continuaram, como ele, querendo dar à chácara uma destinação filantrópica, que servisse para aliviar o sofrimento das pessoas necessitadas. Penso, de modo todo especial, no meu filho Lula, o qual fez investimentos significativos no local, reformou e ampliou as instalações existentes e até criou novas. Graças à sua generosidade e ao seu idealismo foram montadas e equipadas uma clínica médica e uma clínica odontológica, destinadas a dar atendimento gratuito a pessoas necessitadas. Até uma ambulância, novinha em folha, foi adquirida. Pensou-se que, talvez, um outro filho meu, Tadeu, pudesse vir dar a sua preciosa colaboração de médico nesta clínica. Pensou-se em instalar no local uma casa para acolher crianças órfãs, ou idosos necessitados. Pensou-se em várias alternativas e a várias pessoas e instituições foi oferecida a possibilidade de utilizar local e instalações para atividades assistenciais. Lamentavelmente, porém, todas as tentativas, pelos mais variados motivos, resultaram infrutíferas, até que, por intermédio do Sr. Pedro Diniz Torres, empresário que, há anos, se dedica à causa dos portadores de Fibrose Cística, surgiu a ideia do aproveitamento da Chácara pela AFICES.

Eis, então, as razões da minha emoção e da minha grande alegria. Alegra-me ver que todos os meus filhos, de comum acordo, e em consonância amorosa e reverente com os ideais de seu pai, oferecem um pedaço deste chão, tão sagrado para nós e tão cheio de lembranças queridas, para acolher irmãos e irmãs que sofrem as penas que lhes proporciona a terrível e cruel Fibrose Cística. Alegra-me saber que a AFICES, após tanto peregrinar e após tanto bater inutilmente em portas que se mantinham obstinadamente fechadas, encontra finalmente a acolhida tão desejada. Deus queira que aqui, em nossa casa, a AFICES encontre as condições ideais para exercer a sua nobre e benemérita atividade. Deus queira que, na chácara da Ilha de Nossa Senhora da Conceição, os portadores de Fibrose Cística do nosso Estado encontrem a assistência de que tanto precisam, a acolhida que lhes minore o sofrimento, o carinho que lhes dê conforto e alívio em suas penas. Amaro, lá do céu, ao lado de Deus, abrirá o seu doce sorriso. E ao seu sorriso e à sua alegria farão eco a alegria e o sorriso de todos nós.